Surfo todos os dias, todos os finais de tarde, em frente a minha casa. Podem me chamar de maluco, mas é a pura verdade. Todos os finais de tarde, entre segunda e sexta-feira, coloco minha bermuda de banho, seja colorida ou escura, e vou sem camiseta até o canal que me leva ao pico onde quebram altas ondas, onde meus pensamentos fluem como água em uma cachoeira.
Podem me chamar de louco, maluco, viajante dos infernos, mas não. O que conto aqui é a pura verdade.
Moro em frente ao paraíso, eu poderia dizer; em frente a um pico alucinante, cheio de árvores, com caminhos de areia onde circulam pessoas bonitas, saudáveis (algumas tentando entrar em forma, é verdade), e onde quebra uma onda de pura magia, na qual consigo remar tranquilo, dropar com tempo, correr paredes lisas e, de vez em quando, dar as manobras que teimam em não sair dentro do mar.
Aos sábados e domingos minhas sessões de surfe acontecem na praia, mas entre um final de semana e outro, surfo no meio do Parque da Redenção (Farroupilha, como queiram).
Ao sentar naqueles bancos em frente ao chafariz do parque, tomando meu mate ou lendo um bom livro, sinto-me dentro d`água, dentro do mar, sentado na prancha, esperando a série, remando nas ondas mais perfeitas de um litoral qualquer, e quando me dou conta, sinto-me correndo aquela canhota extensa ou aquela direita devoradora, mas muito atrativa (ah... essas direitas...). Às vezes dou várias passadas, acelero p/escapar da crista - de algum pensamento ruim -, depois acordo - caio -, e remo de novo p/linha antes da arrebentação.
Muitas vezes dou o banho sozinho, e até gosto, mas nas muitas outras vezes dou esse banho mágico na Redenção com um grande brother (e sua companheira, não posso esquecer), com o qual já estou acostumado nesses anos de surfadas. Aliás... Esse cara sabe bem como funciona lá dentro, do mar, ou na "vala" da Redenção, como sempre digo a ele. Há dias em que rola aquele clássico... ondas lisas, formadas por um swell bem definido e uma brisa astral... mas por vezes... o mar ou o Parque não é tão atrativo assim p/surfe, e é então que praticamos a "surfoterapia".
Assim como no mar, nessa "vala" mágica da Redenção, outros vão chegando, vizinhos, ex-colegas de aula, pai e mãe, vô e vó, diversos conhecidos ou até desconhecidos. Amizades se formam ali, nas pequenas rodas de chimarrão, assim como se formam nos dias de ondas boas ou ruins.
É o surfe de todos os dias, no quintal de casa, como todo surfista sonha. Eu sempre sonhei com isso, e de alguma forma, consigo realizar esse sonho.
Quebra uma onda fantástica naquele Parque, imaginária, mas fantástica, o que a torna muito real, pelo menos p/mim. Uma onda que faz minha mente desbravar os cantos mais longínquos do Planeta Terra. A cada final de tarde, depois do serviço, me toco p/"vala" e sou feliz.
Consigo definir com exatidão quando se trata de um dia de nordeste moderado a forte na praia, ondas mexendo, e o céu se retorcendo acima... Distingo bem quando é aquele mar de sul, le(a)vando tudo, com ondas monstras que dá uma vontade de ir p/casa tomar um banho e ver um filme qualquer.
Reconheço muito bem quando bate o clássico naquele parque. O épico! A brisa de terral, com aquela onda cavada, mas nem tão cavada a ponto de te esmagar já no drop; é remar, botar p/lado, colocar p/baixo e correr p/abraço, sentindo aquela sensação indescritível, que só quem surfa sabe qual é. Brisa de terral, o chafariz ativado, belas garotas num pico sem crowd, com os amigos que a aquela vibração positiva trouxe p/esse banho mágico.
Pego onda todos os dias da semana. Nos finais de semana, dentro do mar, no meio de semana, no parque em frente a minha casa. Um lugar mágico, onde todos conseguem ter o mesmo desempenho, adolescentes, crianças, velhos de meia idade, velhos da terceira idade, homens e mulheres, e porque não, as criaturas esquisitas que andam habitando aquele parque nos últimos anos.
Falando nisso... há os dias de crowd também, dias chatos naquele parque, não posso negar, mas isso ocorre quase sempre nos domingos. Na boa, domingo é praticamente impossível surfar na Redenção, pelo menos das 15 horas em diante; muita gente n`água, e isso não é legal, ainda mais quando você se sente "local" (nativo) do pico.
Por isso, o negócio ali na "vala" é de segunda a sexta, no máximo sábado, mas neste dia, normalmente, já estou no meu outro quintal de casa, esse de água gelada e salgada, e não o da água quente descendo a garganta numa mateada/surfada astral.
Dou o banho todos os dias da semana, mesmo longe do mar, e assim, nessa experiência surreal e alucinante, de boa com a vida vou descobrindo novos picos e possibilidades longe do oceano.
Mas, claro, é perto/dentro do mar e do oceano que eu prefiro estar.